terça-feira, 3 de setembro de 2013

O QUE É A SANTA MISSA?

Confundem, por vezes, essa participação como se concelebrassem com o sacerdote, ou como se este fosse apenas um dirigente do culto, o “presidente” da celebração. Há, nesse sentido, uma deformada idéia de sacerdócio, não diferenciando da maneira exata aquele comum, que todos os batizados possuem, do hierárquico, em decorrência da ordenação.

Cumpre salientar que a diferença entre os leigos e os que recebem o sacramento da Ordem não é de grau, mas de essência. “O sacerdócio ministerial ou hierárquico dos bispos e dos presbíteros e o sacerdócio comum de todos os fiéis, embora ‘ambos participem, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo’, diferem, entretanto, essencialmente, mesmo sendo ‘ordenados um ao outro.’”[1] Não se trata de uma simples organização administrativa que coloca o sacerdote acima do fiel, porém de uma distinção profunda, espiritual e permanente, uma marca na alma, fruto da graça. “Idêntico, pois, é o sacerdote, Jesus Cristo, cuja sagrada pessoa é representada pelo seu ministro. Este, pela consagração sacerdotal recebida, assemelha-se ao sumo Sacerdote e tem o poder de agir em virtude e na pessoa do próprio Cristo; por isso, com sua ação sacerdotal, de certo modo, ‘empresta a Cristo a sua língua, e lhe oferece a sua mão.’”[2] E semelhante poder não é mera autorização externa, mas uma virtude doada pelo Espírito Santo no sacramento que configura o padre a Jesus, Nosso Senhor. Pela Ordem, mais do que pregadores religiosos ou líderes da comunidade, os ministros ordenados são “verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento.”[3]

A Santa Missa, pois, é um autêntico sacrifício. O sacrifício de Cristo, oferecido ao Pai pelo perdão de nossos pecados. Não um novo, pois o da Cruz foi suficiente, mas o mesmo, tornado presente. Há uma identidade substancial entre a Cruz e a Missa, como entre elas a Última Ceia. Esta foi a antecipação da Cruz como a Missa dela é a atualização.

É a Missa o mesmo, único e suficiente sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, oferecido de uma vez por todas, ao Pai, na Cruz do Calvário, pelo perdão de nossos pecados, tornado real e novamente presente, ainda que de outro modo, incruento, no altar da igreja pelas mãos do sacerdote validamente ordenado.

Mesmo, único e suficiente: a Missa não é um novo sacrifício para saldar nossa dívida para com Deus. Oferecido de uma vez por todas, ao Pai, na Cruz do Calvário: a Missa é o mesmo sacrifício da Cruz, não um outro. Pelo perdão de nossos pecados: como a Cruz foi a causa de nosso perdão, merecendo-nos a graça de Deus, assim também é a Missa. Tornado real e novamente presente: a mesma Cruz é tornada presente diante de nós, pois para Deus não há limite de espaço ou tempo. Ainda que de outro modo, incruento: na Cruz, Cristo derramou Seu Preciosíssimo Sangue; na Santa Missa, a Cruz é tornada novamente presente, mas de outro modo, sem derramamento de Sangue – não é, repetimos, uma nova morte de Cristo, mas a mesma e única, porém de modo incruento. No altar da igreja: todo sacrifício precisa de um altar; a Cruz foi o altar onde Cristo ofereceu o sacrifício de Seu Corpo Santíssimo; na Missa não há uma Cruz física onde Cristo deva morrer, mas um altar onde é celebrado o sacrifício e os dons são oferecidos. Pelas mãos do sacerdote: num sacrifício, além do altar, é preciso uma vítima e um sacerdote, i.e., um sacrificador; quando o altar foi a Cruz, Jesus Cristo foi a Vítima, mas também o Sacerdote, pois ninguém O matou, antes Ele mesmo Se entregou à morte por nós; na Santa Missa, se o altar é o da igreja, e a vítima é Cristo, eis que o sacrifício é o mesmo, também há identidade quanto ao sacerdote, o sacrificador. Validamente ordenado: Jesus mandou que os Apóstolos realizassem o sacrifício feito na Cruz e antecipado na última Ceia, e eles passaram o mandato a seus sucessores e aos colaboradores destes; os sucessores dos Apóstolos são os Bispos, e os colaboradores os padres, unidos a Cristo pelo sacramento da Ordem.

Então, não são dois sacrifícios, o da Cruz e o da Missa, mas um só, o da Cruz, tornado presente na Missa?

Isso mesmo! É o que afirmamos na resposta à última pergunta. Acompanhemos o que escreveu o Papa João Paulo II na Encíclica Ecclesia de Eucharistia:

Este aspecto de caridade universal do sacramento eucarístico está fundado nas próprias palavras do Salvador. Ao instituí-lo, não Se limitou a dizer ‘isto é o meu corpo’, ‘isto é o meu sangue’, mas acrescenta: ‘entregue por vós (...) derramado por vós’ (Lc 22, 19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrifical, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas depois realizaria na cruz pela salvação de todos. ‘A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrifical em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor’.


A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto atual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, ‘o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício’. Já o afirmava em palavras expressivas S. João Crisóstomo: ‘Nós oferecemos sempre o mesmo Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o sacrifício é sempre um só. [...] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima que então foi oferecida e que jamais se exaurirá’.

A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a celebração memorial, a ‘exposição memorial’ (memorialis demonstratio), de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrifical do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao sacrifício do Calvário.[4]

“O augusto sacrifício do altar não é, pois, uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-se incruentamente, o sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a cruz, oferecendo-se todo ao Pai, vítima agradabilíssima. Uma... e idêntica é a vítima: aquele mesmo, que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes, se ofereceu então sobre a cruz; é diferente apenas, o modo de fazer a oferta.’”[5]

Quem oferece um sacrifício é sacerdote. Daí que os presbíteros católicos assim sejam designados.

Tanto o fiel quanto o sacerdote que a celebra participam da Missa, porém de modos distintos. Enquanto a maneira própria do celebrante participar da Missa é exatamente celebrando, o fiel participa assistindo-a com toda a vontade de unir-se aos sentimentos de Cristo. Se não pode, como o padre, ser o próprio Jesus oferecendo-Se na Cruz, deve, então, assistir o maravilhoso espetáculo do sacrifício de um Deus-homem que morre por nossos pecados com a disposição de alma de quem aspira imitar aqueles santos que estiveram aos pés do Calvário. A Cruz torna-se presente na Missa, e porquanto naquela estavam presentes a Santíssima Virgem e o discípulo amado, São João, o Apóstolo e Evangelista, quando estamos assistindo o Santo Sacrifício devemos ter as mesmas atitudes de ambos. Certamente, não estavam Nossa Senhora nem São João batendo palmas: sua alegria pela salvação que se operava era interna, e se misturava com uma viva dor pelos pecados da humanidade, cometidos de tal forma que fizeram Deus sofrer e derramar Seu Sangue por nós. Imitando os sentimentos e atitudes de São João e da Virgem Maria aos pés da Cruz, estamos participando da Missa de um modo santo e salutar.

São Leonardo de Porto Maurício, ardoroso apóstolo da Santa Missa, nos dá seu ensino, ainda bastante atual: “Eis o meio mais adequado para assistir com fruto a Santa Missa: consiste em irdes à igreja como se fôsseis ao Calvário, e de vos comportardes diante do altar como o faríeis diante do Trono de Deus, em companhia dos santos anjos. Vede, por conseguinte, que modéstia, que respeito, que recolhimento são necessários para receber o fruto e as graças que Deus costuma conceder àqueles que honram, com sua piedosa atitude, mistérios tão santos.”[6]

Feitas essas considerações, atentemos para a recomendação do Magistério da Igreja:

“É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação na celebração litúrgica que a própria natureza da liturgia exige e à qual o povo cristão, ‘raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido’ (1Pd 2,9; cf. 2,4-5), tem direito e obrigação, por força do batismo.”[7]

Mas também ressalva:


“Por isso, estas celebrações pertencem a todo o corpo da Igreja, manifestam-no e implicam-no; mas atingem a cada um dos membros de modo diferente, conforme a diversidade de ordens, dos ofícios e da atual participação.”[8]

Isso quer dizer que a tão propalada “participação ativa” não implica em uma igualdade entre os participantes. Quem oferece o Santo Sacrifício da Missa é o sacerdote. E mais: o sacerdote celebrante, não os que assistem e sejam, eventualmente, sacerdotes. Todos os demais não celebram, mas assistem ou ouvem a Missa. Os conceitos de “participar” da Missa e de “ouvir” Missa não se excluem: todos devem participar, sacerdotes e leigos, mas o modo dos últimos participarem é ouvindo, assistindo.

Evidentemente, esse ouvir Missa não impede o exercício de legítimos ministérios leigos na celebração, como o de cantor, comentarista, leitor, acólito. Ainda assim, estão ouvindo Missa, não celebrando. Ouvir e assistir, pois, são a maneira de os leigos participarem da Missa.

A participação ativa, tão pedida pela Igreja, implica em unir, de fato, nossos sentimentos e nossa inteligência ao que está ocorrendo sobre o altar. Ora, isso não se faz somente com as respostas e com os cantos. Quantos, aliás, dos que respondem todas as partes próprias aos leigos destinadas e sabe de cor todos os cantos realmente sabem o que estão fazendo, sabem que a Missa é sacrifício? Quem assim age, cantando tudo, respondendo tudo, mas achando que a Missa é apenas uma reunião de oração oficial da Igreja, sem dar-se conta do caráter sacrificial da mesma, está, de fato participando da Missa como pede a Igreja?

Em vista disso, concluímos que não são os cantos e as respostas que fazem uma plena e ativa participação dos leigos na celebração. Ela é muito mais de união ao mistério celebrado. Vamos à Missa como quem vai ao Calvário!

Claro, o interior deve refletir-se no exterior. E tal se dá quando respondemos ao sacerdote, quando cantamos, fazemos os gestos específicos. Contudo, não é essa a única maneira de participar, de assistir a Missa.

Muito devotamente assiste a Missa, participa da Missa, quem, unido intimamente à Cruz tornada presente, permanece num eloqüente silêncio, meditando cada ato do sacerdote sobre o altar. Esse silêncio é um modo legítimo de significar, exteriormente, o que se passa no interior.

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